
Um dos assuntos que mais tem mobilizado minhas reflexões na observação de crianças pequenas, e principalmente, na observação da relação entre adultos (incluindo eu mesma) e crianças pequenas, é a temática da “autonomia” e toda a rede semântica que a acompanha: liberdade, independência, dependência, e por aí vai.
Diversas abordagens e referências na área da educação salientam a importância de a criança ter espaço e estímulo para manifestar sua autonomia, lidando com os desafios adequados a sua fase de desenvolvimento, sem a intervenção excessiva e inadequada dos adultos ao seu redor. Rudolf Steiner, Emmi Pikler, Maria Montessori, dentre outros filósofos, médicos e pedagogos salientaram que a criança tem papel ativo e protagonista em seu próprio desenvolvimento, e que o cuidado com um espaço adequado para o desabrochar de sua autonomia terá impactos profundos ao longo de toda a sua vida futura.
No primeiro setênio da criança (dos 0 aos 7 anos), um dos aspectos mais relevantes para o desenvolvimento de sua autonomia é o “movimento”. O domínio dos impulsos do seu corpo, a conquista dos ritmos de contração e relaxamento, os desafios do equilíbrio, a habilidade de colocar-se em posição sentada e ereta, dentre inúmeros outros aspectos ligados ao movimento, são explorações e conquistas essenciais para que a criança possa se apropriar do corpo humano ao qual habita, e para que possa desenvolver e conhecer suas competências, estabelecendo autoconfiança, resiliência e fortalecendo sua vontade.
Autoconfiança, resiliência, força de vontade são pilares construídos na primeira infância, justamente pela autonomia do movimento, e que sustentarão a morada física, emocional e espiritual da criança ao longo de sua trajetória de vida.
A maioria de nós adultos contemporâneos não teve este espaço para exercitar nossa autonomia quando pequenos, e carregamos diversas fragilidades em nossa própria autoconfiança, resiliência e força de vontade. Por este (e outros) motivos, estranhamos, questionamos e resistemos aos convites para darmos mais autonomia às crianças pequenas ao nosso redor. Deixar que o bebê se sente sozinho, que fique mais tempo no chão, que se levante para andar apenas quando conseguir fazer isso sozinho, que vista o seu sapato em seu ritmo, que suba na árvore sem ajuda, etc. São coisas que, na maioria das vezes, geram ansiedade e insegurança em nós adultos cuidadores.

Seja porque nos falta tempo para esperar e celebrar as conquistas das crianças, seja porque nos falta confiança nas capacidades, competências e determinação dos pequenos, seja porque nos falta coragem de conviver com seres que demonstram tamanha autonomia em tenra idade, ou seja porque nos falta segurança de que a nossa existência ainda terá algum sentido, mesmo que a criança – filho(a) ou aluno(a) – não dependa de nós para tudo nessa vida. Independente de quais os motivos por trás de nossa postura controladora, a verdade é que nós adultos muitas vezes temos dificuldade em ser coadjuvante no desenvolvimento da criança. E é justamente disso que elas mais precisam.
Sejamos o mais coadjuvante possível. Nos ocupemos em criar um espaço harmonioso, com os materiais e estímulos adequados, e principalmente, em sermos os melhores exemplos a serem imitados – em nossos pensamentos, ações e palavras. E nos desocupemos em colocar os bebês em posturas que eles não sabem chegar sozinhos, em dar as mãos para o bebe aprender a andar, em colocar as meias para a criança todos os dias, em dar comida na boca, e tantas outras coisas que privam estes pequenos seres humanos de entrar em contato com a força de sua própria vontade, e com a potência infinita de suas capacidades.
Como disse Emmi Pikler: “o essencial é que a criança descubra por si mesma o máximo de coisas possíveis. Se a ajudamos a solucionar todas as suas tarefas, a privamos justamente daquilo que é o mais importante para o seu desenvolvimento mental. A criança que consegue algo por experimentos autônomos adquire conhecimentos completamente diferentes dos de uma criança a quem se oferece previamente a solução.”