Em um certo tempo de um certo lugar, quando o vento ensaiava seu sopro e as folhas preparavam seus vôos, uma sementinha decidida decidiu mudar o rumo das coisas.
– Não vou cair.
– Como assim não vai cair? – perguntou o barro molhado do chão, com metade de espanto e metade de desaforo.
– Não agora. Não desta vez. – respondeu a pequena decidida.
Era um afronto sem tamanho. Quando os ventos ensaiam os sopros e as folhas preparam vôos, as sementes caem. Assim sempre foi. Assim é. Assim tem que ser.
– Vou ficar em casa mais um pouco dessa vez. Sinto um frio novo no ar. Melhor ficar em casa mais um pouco dessa vez.
O molhado barro ficou aos bufos e tribufos. Palavras lhe faltavam. Era um afronto sem tamanho. Assim sempre foi. Assim é. Assim não vai ser.
Tomou metade de coragem e metade de domínio, e conseguiu organizar três palavras:
– Eu tô molhado.
Quando o vento ensaia seu sopro, as folhas preparam vôos, o barro fica molhado, e as sementes caem. Assim sempre foi. Assim é. Assim tem que ser.
– Sinto um frio novo no ar. Melhor ficar em casa mais um pouco dessa vez. Sinto um frio novo no ar. – estava resoluta.
Havia mesmo um frio novo no ar. Ele mesmo podia sentir o seu molhado mais gelado. Que desafronto.
Naquele certo tempo daquele certo lugar um novo frio resolveu mudar o rumo das coisas. O vento chegou a soprar. As folhas todas voaram. O barro seguiu molhado. E a sementinha seguiu semente.
Assim nunca foi. Assim é. Assim será. Até que novos ventos ensaiem novos sopros. Novas folhas lancem novos vôos. E o ar frio não seja novo de novo.
Assim será.